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quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Computadores descartados pela Europa envenenam crianças na África


Os cidadãos do Ocidente jogam fora milhões de computadores velhos todos os anos. Centenas de milhares deles acabam na África, onde as crianças procuram ganhar a vida vendendo peças velhas das máquinas. Mas os elementos tóxicos presentes no lixo as estão envenenando lentamente.

Segundo a Bíblia, Deus lançou uma chuva de fogo e enxofre para destruir as cidades de Sodoma e Gomorra. E as autoridades governamentais de Accra, em Gana, também passaram a chamar de "Sodoma e Gomorra" uma parte da cidade afetada por produtos tóxicos de um tipo que os moradores das cidades bíblicas jamais poderiam imaginar. Ninguém vai a esse local, a menos que isso seja absolutamente necessário.

Uma fumaça ácida e negra passa sobre os barracos da favela. As águas do rio também são pretas e viscosas como óleo usado. Elas carregam gabinetes de computador vazios para o oceano. Nas margens do rio veem-se fogueiras alimentadas por isopor e pedaços de plástico. As chamas consomem o material plástico de cabos, conectores e placas-mãe, deixando intactos apenas o metal.

Hoje há um vento que faz com que a fumaça dessas fogueiras infernais passem lentamente por sobre a terra. Respirar muito profundamente é doloroso para os pulmões, e as pessoas que alimentam as fogueiras às vezes dão a impressão de serem apenas silhuetas vagas e enevoadas.

Uma figura pequena e curvada caminha entre as fogueiras. Com uma mão, o garoto arrasta um alto-falante velho pela terra e as cinzas, puxando-o por um fio. Com a outra mão ele segura firmemente uma bolsa.

O alto-falante e a bolsa são as únicas posses do garoto, além da camiseta e as calças que ele usa. Ele tem um nome incomum: Bismarck. O garoto tem 14 anos, mas é pequeno para a idade. Bismarck vasculha a terra em busca de qualquer coisa que os garotos mais velhos possam ter deixado para trás após queimarem uma pilha de computadores. Podem ser pedaços de cabo de cobre, o motor de um disco rígido, ou peças velhas de alumínio. Os ímãs do seu alto-falante também capturam parafusos ou conectores de aço.

Bismarck joga tudo o que encontra dentro da bolsa. Quando a bolsa estiver cheia até a metade, ele poderá vender o metal e comprar um pouco de arroz, e talvez também um tomate, ou até mesmo uma coxa de galinha grelhada em uma fogueira acesa dentro do aro de um carro velho. Mas o garoto diz que hoje ainda não encontrou o suficiente. Ele desaparece novamente na fumaça.

O refugo da era da internet

Esta área próxima a Sodoma e Gomorra é o destino final dos computadores velhos e outros produtos eletrônicos descartados de todo o mundo. Há muitos lugares como este, não só em Gana, mas também em países como Nigéria, Vietnã, Índia, China e Filipinas. Bismarck é apenas um de talvez uma centena de crianças daqui, e de milhares do mundo inteiro.

Essas crianças vivem em meio ao refugo da era da internet, e muitas delas podem morrer por causa disso. Elas desmancham computadores, quebrando telas com pedras, e a seguir jogam as peças eletrônicas internas em fogueiras. Computadores contêm grandes quantidades de metais pesados e, à medida que o plástico é queimado, as crianças inalam também fumaça carcerígena . Os computadores dos ricos estão envenenando os filhos dos pobres.

A Organização das Nações Unidas (ONU) calcula que até 50 milhões de toneladas de lixo eletrônico são jogadas anualmente no lixo em todo o mundo. O custo para se reciclar apropriadamente um velho monitor CRT na Alemanha é de 3,50 euros (US$ 5,30 ou R$ 9,20). Mas o envio do mesmo monitor para Gana em um contêiner de navio custa apenas 1,50 euro (R$ 3,80).

Um tratado internacional, a Convenção de Basileia, entrou em vigor em 1989. O tratado baseia-se em um conceito justo, proibindo os países desenvolvidos de enviarem computadores que foram para o lixo aos países subdesenvolvidos. Até o momento 172 países assinaram a convenção, mas três deles ainda não a ratificaram: Haiti, Afeganistão e Estados Unidos. Segundo estimativas da Agência de Proteção Ambiental norte-americana, cerca de 40 milhões de computadores são descartados todos os anos somente nos Estados Unidos.

Diretrizes da União Europeia com acrônimos como WEEE (sigla em inglês de Lixo de Equipamentos Elétricos e Eletrônicos) e RoHS (Restrição a Substâncias Perigosas) seguiram-se à Convenção de Basileia, e países individuais transformaram-na em lei. As leis relativas à administração de lixo na Alemanha estão entre as mais estritas do mundo, e neste país o envio de computadores descartados a Gana pode dar cadeia. Em tese.

Contra-atacando


Mike Anane, um ativista ambiental e coordenador local da organização internacional de direitos humanos FIAN, trouxe os membros do Greenpeace para cá. Anane nasceu aqui há 46 anos, bem ao lado de onde hoje em dia se situa Agbogbloshie. Naquela época, as margens dos rio eram repletas de prados verdes e de flamingos, e os pescadores tiravam o seu sustento do rio. Agora não existe vida nessas águas.

Oito anos atrás, Anane começou a perceber a chegada de uma quantidade cada vez maior de caminhões em Agbogbloshie, com as carrocerias repletas de computadores. Ele observou a situação de perto e passou a contra-atacar aquilo que viu. Anane coleta adesivos de procedência de vários computadores descartados para descobrir de quem são os venenos queimados aqui. Ele possui adesivos do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, de autoridades britânicas e de companhias como o Banco Barclays e a British Telecom. "Algumas crianças daqui não chegarão aos 25 anos de idade", acredita Anane.

Ele sabe, porém, que as companhias e organizações cujos selos chegam aqui juntamente com os equipamentos descartados não são os agentes que de fato trazem esse lixo para o seu país. As pessoas diretamente envolvidas são comerciantes como Michael Ninicyi, diretor da Kofi Enterprise.

A Kofi Enterprise é uma pequena loja repleta de computadores. Os melhores produtos são velhas máquinas Pentium vendidas por US$ 90 (R$ 156), incluindo um leitor de DVD. Impressoras e copiadoras são exibidas sob uma cobertura amarela na frente da loja - todas as máquinas são provenientes da Alemanha, segundo Ninicyi. Um exemplar do jornal "Berliner Morgenpost", usado para proteção contra arranhões, encontra-se dobrado entre dois computadores. Algumas das máquinas ainda trazem os adesivos de companhias cujas sedes ficam, por exemplo, na pequena cidade alemã de Kleve, no Estado de Brandenburgo ou no de Rhineland. Todos esses produtos funcionam e são legais.

"Por que vocês não interrompem o fluxo de lixo?"


"Esse processo está cada vez mais rápido, e nós estamos sendo esmagados", queixa-se John Pwamang, diretor do Centro de Gerenciamento e Controle de Produtos Químicos da Agência de Proteção Ambiental de Gana. A agência está localizada em um prédio de concreto em péssimas condições. A caminho do escritório de Pwamang, os visitantes precisam subir primeiro uma escada que no passado deve ter sido verde, e a seguir passar por um banheiro com defeito e uma sala de conferência de cortinas marrons esfarrapadas. Na sala há três depósitos de lixo - um marrom, para papel, um cinza, para plástico, e um outro marrom para tudo mais. Entretanto, o país não conta com um sistema de reciclagem de lixo em funcionamento. Ao que parece a agência de Pwamang ainda tem alguns problemas pela frente.

Os olhos de Pwamang são pouco visíveis por trás das grossas lentes bifocais. Ele fala suavemente, o que o ajuda a parecer mais tranquilo do que realmente é. "Vocês europeus não mudam", reclama ele. "O que deveríamos fazer com os produtos tóxicos que vocês nos mandam? Não temos como reciclá-los. Vocês possuem as instalações para isso. Computadores que funcionam não são nenhum problema, mas muitas das máquinas velhas demais não duram nem um ano aqui. Por que vocês não interrompem o fluxo de lixo?".

Pwamang não tem como provar que o chumbo e as dioxinas estão matando as crianças. Quase ninguém com mais de 25 anos trabalha nas fogueiras às margens do rio de águas pretas. E não existe estudo algum sobre o problema. O Greenpeace identificou e quantificou as toxinas, mas a organização não examinou os efeitos diretos delas. "As crianças estão doentes", afirma Pwamang. "Temos aqui metais pesados e venenos. Um estudo seria bom, mas mesmo sem nenhum estudo eu sei que a situação é desastrosa."

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